Ilustração da obra Poética de Rui Machado : Qualquer dia, Amo-te - 2016
Um autor que gosta de livros não será novidade para quem quer que seja. Mas afirmar que “Os livros acertam sempre /nos lugares onde me sinto bem. “é amor maior, é dedicação absoluta aos livros. Dos outros, para mais. Não é de ânimo leve que diz: “Aceito tudo o que é maior que eu. “ Assim se fazem os
grandes escritores, aprendendo com os mestres. Rui Machado tem uma cultura vasta, bebeu em muitas fontes e isso ressalta dos seus textos. É possível destrinçar influências, mas isso só aumenta a sua originalidade pela conjugação de formas e temas de uns e outros. Classificar a sua poesia sob esse ângulo seria o mesmo que tentar descrever um manequim de pele negra, olhos verdes e cabelos ruivos. E tão ímpar como isso. Exótica talvez pudesse ser o termo mais justo, mas eu prefiro dizer dela “Original”.
Andar ao redor do mundo, com o mundo atrelado ao pensamento não mete medo a homens com a arte, a coragem e o esforço de gente como Rui Machado. Um autor que afirma “as janelas existem porque há mundo” não pode senão oferecer-nos uma imagem real desse mundo, no seu melhor e no seu pior. Se
até o seu peito “devia ter uma janela... com portadas. /Mas sempre abertas. /Como pálpebras quentes que cedem o mundo “, só poderíamos exigir-lhe qualidade suprema, à medida da grandeza a que nos habituou em livros anteriores.
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Quando me sugeriu prefaciar-lhe este livro, aceitei de imediato pois é sempre um prazer aceder em primeira mão a escritos deste quilate.
A poesia de Rui Machado é fluída, com um ritmo comedido deixando espaço às profundas análises ao caráter humano. É uma poesia onde o burilado das frases se equilibra perfeitamente, conjugando-se com mensagens subliminares poderosas. Desconcertantes, algumas vezes e, por isso mesmo, acutilantes.
Divagando por entre os outros e si mesmo, entre a natureza e as estações, o amor e o abandono, perdemo-nos nos meandros da sua perspicácia para nos encontrarmos na reflexão séria que se nos impõe pela análise desta obra.
Analisando-se a si mesmo, quer-se puro, limpo e sem marcas como a roupa que sua mãe lava do avesso e engoma.
Deveras original a forma como descreve a sua “inveja”. Mas se procura uma alma lavada, sabe que há pessoas no mundo que, de tão falsas, “São tão nojentas estas pessoas /que escrevi isto com o intestino.” Inusitado, poderoso e eficaz. Não restam dúvidas!
Tentar distribuir os seus poemas por temas ou conteúdos poderia ser uma forma de abordagem, mas prefiro atiçar a imaginação do leitor neste início de contacto com o livro. Não esperam que seja “Qualquer coisa com/Dentes de papel/E dedos de sombra”, pois não? Mas ele afirma: ”Eis o que sou.” E agora?!
Teremos que partir à descoberta do seu verdadeiro eu poético, do seu sujeito literário ou do próprio autor... Pouco importa qual deles se nos dirige. Importa como o faz e que sejamos capazes de sentir revolta, paz, amor... tal qual aquele que nos serve estas “novas palavras, novas frases, novos capítulos. “. E que, tal como ele, seja capaz de dizer por entre as leituras, “Depois de sentir tanto, /quero ver tudo. “ Entenda-se, aqui, por manipulação minha da sua
expressão, ver todo o livro. Todo. Na companhia de Carla Monteiro e das suas imagens, deambulamos entre o real e o surreal, a viagem se faz mais una. Carla Monteiro captou perfeitamente a alma dos textos e fez, à mercê dos dias e disposição, uma leitura a carvão, nem por isso menos interessante.
E se o autor escreve:
Sabes, eu à noite sinto a morte no lombo.
É húmida e quente como o focinho de um cão.
Nunca me virei para saber mais.
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Vamos virar cada uma das páginas para saber mais sobre esta maravilhosa escrita, intensa como o autor de carne e osso e fruir cada palavra.
Com devoção, com paixão!
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A ilustração da obra esteve a cargo de Carla Monteiro, o prefácio é de Goreti Dias e foi editado pela Mosaico de Palavras Editora. A apresentação esteve a cargo de Goreti Dias com a colaboração do dizeur Dionísio Dinis. João Arezes e Li Viana deram voz a alguns poemas do autor. A Animação musical foi da responsabilidade do grupo Lado A’Lado (Adrián Perez e Sérgio Nascimento) e de Dinis Meirinhos.